quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Desabafo



   É certo que toda família tem a sua ovelha negra, mas por que a representante da minha tinha de ser logo eu? "Mariana, seu trabalho não vale a pena, professores morrem de fome.", "Por que você abandonou seu curso de engenharia? Uma carreira tão mais promissora...", "Fazer cursinho? Vai pro segundo vestibular? Que absurdo! Daqui a 10 anos você terá 32, ninguém vai querer mais nada de você."
    A sensação que eu tenho é que me cravaram um punhal no lado esquerdo do tórax e, a cada vez que meu pai ou minha mãe repete uma destas frases, estão segurando-o pelo cabo e girando-o, primeiro no sentido horário, depois, o contrário.
    O mais interessante é a mudança radical na forma de tratamento. A filha que antes era um orgulho, estava cursando engenharia, hoje já nem é mais digna de ser mencionada. É, acho que terei de aceitar minha posição, afinal, tranquei minha faculdade, mudei pro exterior, voltei, larguei o curso, decidi que amo lecionar, passei a ensinar inglês e estudar pro vestibular de letras. Ser professora não é o futuro que meus pais sonharam para mim. Sou mesmo a ovelha negra. Ou me conformo com meu status e radicalizo, corto o cabelo, faço uma tatuagem e três piercings... Ou volto pro curso, cumpro minha sentença, termino o martírio, pego o canudo e entrego nas mãos deles, dizendo: "Aí está, o curso dos seus sonhos. Agora deixa eu correr, pretendo obter o meu em 4 anos.". O que são dois anos, afinal? Faltam apenas dois míseros anos e eu termino a faculdade. Dois anos de esforços não reconhecidos, idas forçadas à faculdade, estresse por estudar o que não dá prazer. Mas... O que é um biênio se você não tem de enfrentá-lo?
    Por que as pessoas não entendem que um diploma não dignifica ninguém? Qual a dificuldade que há em perceber que caráter não é formado em faculdade? Minha educação, por mais que o tempo passe, não acabará. Por que a humanidade se "maquinalizou" tanto? Por que temos que estudar o que a sociedade impõe, fazer o curso do momento, ter a profissão do futuro? Por que ninguém mais valoriza sentimentos, uma composição bem feita, um abraço, um carinho? Por que as pessoas compram tantas batidas de lata sem nexo, funks proibidões, lapada na rachada?
    Não se trabalha mais por sorriso, mas sim, por cifrão. Não se busca prazer no ofício, antes, busca-se o lazer após o serviço. Por quanto tempo ainda, só para não desapontar a pessoa A, B ou C, terei de executar exatamente a função que esperam que eu execute? Por quanto mais terei de fingir estar feliz, encenar entusiasmo, mesmo não gostando da bosta do curso que, aos 16 anos, completamente imatura, pensei ter escolhido certo? 
    Não há resposta, eu sei. Há, sim, o conceito popular, virou provérbio, lugar comum, chavão: "Hoje em dia só se destacam os bons."
    Mas, o que é ser bom? Eu respondo. Ser bom, meu querido, é ser médico, advogado, dentista, engenheiro, arquiteto, empresário. Ser bom é ter uma casa na praia, conta corrente, carro do ano e viagem marcada para fora do país. "Ser bom" não é compatível com "ser professor", por mais que eu ame a profissão. Não. Se você quer ser bom, não seja professor. Não seja vendedor, taxista, gari, recepcionista, secretária... Se você quer ser bom, terá de escolher uma das profissões citadas anteriormente, porque, atualmente, ser bom não é mais fazer o que gosta, e fazê-lo bem. Mas sim fazer o que não gosta, almejando um contra-cheque gordo no final do mês. Uma pena, não?
     Já dizia Charles Chaplin: "Não sois máquinas, homens é que sois.". As pessoas esqueceram-se disso. Viraram máquinas de fazer dinheiro, sem se importar com saúde, valendo apenas o estado físico, se este lhe der condições de produzir em larga escala. Ninguém mais quer saber do bem estar do próximo, o que vale hoje é a capacidade que ele tem de gerar lucros.
    O ser humano maquinalizou-se, a sociedade industrializou-se. É um mal necessário, dirão muitos. Triste fim, digo eu. Não se surpreenda se, muito em breve, você estiver comprando oxigênio enlatado.

Mariana Luz

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